Vamos apresentar o passo a passo de toda a dinâmica que envolveu este caso que exigiu do técnico tanto competências técnicas, realização de testes seguindo uma metodologia de análise de falhas, quanto aspectos psicológicos – imparcialidade, análise crítica do resultado dos testes, visão sistêmica, inteligência emocional, dentre outros.
Os resultados dos testes falam por si.
1 – Introdução
Peço gentil e humildemente licença aos sábios leitores para falar sobre uma característica psicológica muito comum na maioria das pessoas:
“Tirar conclusões precipitadas com base em evidências limitadas”.
Fazemos isso o tempo todo muito mais do que percebemos. Daniel Kahneman até criou um termo para isso: WYSIATI, as iniciais de what you see is all there is (que significa: o que você vê é tudo que existe).
Mas afinal, o que isto tem a ver com diagnóstico automotivo?
Explico: o caso que será apresentado desafiou o técnico a ver “além” dos resultados dos testes – talvez este seja o maior desafio que temos ao realizar um diagnóstico de falhas do veículo. Um sintoma pode ser oriundo de várias falhas e estas por sua vez de outras dezenas de causas diferentes, isso evidencia a complexidade em se encontrar a causa raiz de uma anomalia. O resultado dos testes que realizamos nos informa a falha que está ocorrendo e não propriamente dito a causa. Para encontrá-la é necessário o domínio das técnicas de diagnóstico, aplicação de ferramentas e equipamentos específicos e, sobretudo, ter a habilidade necessária para manter o conhecido “sangue frio”, ou controle emocional para não sair desmontando o veículo trocando peças desnecessárias devido a conclusões precipitadas.
Este caso foi cedido, gentilmente, pelo técnico automotivo Márcio Rodrigo de Oliveira, proprietário da Infinity Auto Service e consultoria Ltda, situada na cidade de Pouso Alegre no estado de Minas Gerais.
A empresa Infinity Auto Service foi contratada pela oficina Automec, também localizada na cidade de Pouso Alegre, para realizar uma consultoria a fim de solucionar um caso de uma BMW X1 Sdrive 2.0 TURBO ANO 2013, que desafiou até os mais experientes técnicos dessa oficina, que tentaram de tudo, mas não conseguiram encontrar a causa da falha.
2 – Histórico e coleta de informações
Antes de iniciar o diagnóstico, Márcio Rodrigo solicitou todas as informações pertinentes ao caso ao proprietário da oficina contratante, o qual o fez em detalhes.
O proprietário do veículo chegou na oficina Automec relatando alto consumo de combustível. Diante da reclamação do cliente, o proprietário da oficina pediu a um de seus técnicos que realizasse uma inspeção técnica do veículo. Ao iniciar as verificações observou no painel de instrumentos que o veículo tinha rodado 56.000 Km.
De posse desta informação, o proprietário da oficina sugeriu ao dono do veículo a substituição das velas de ignição. O proprietário concordou e autorizou a troca. Como a oficina também era loja de autopeças, solicitou a um de seus fornecedores que enviasse um jogo de velas originais do veículo em questão.
Foi após a troca das velas que ocorreu o evento inusitado: o veículo não entrou mais em funcionamento.
A partir deste momento, começou o drama da oficina, pois o veículo chegou com um possível excesso de consumo de combustível, agora após a primeira intervenção, o veículo nem sequer entrava em funcionamento.
Diante desta situação, os mecânicos tentaram de forma exaustiva funcionar o veículo, mas sem obterem êxito. Por fim, colocaram as velas usadas e, com muita dificuldade, o motor entrou em funcionamento, mas de forma irregular e com um cheiro muito forte de combustível no escapamento.
Esse foi o resumo dos acontecimentos que ocorreram na oficina antes de contratarem os serviços da Infinity Auto Service.
3 – Diagnóstico Avançado na Prática
O que diferencia um diagnóstico avançado de um tradicional? Será que é pela utilização de instrumentos e equipamentos exclusivos e de alta precisão? Ou é devido a aplicação de técnicas específicas de diagnósticos e metodologias que garantem a análise de todos os detalhes a fim de identificar a causa que originou a anomalia?
Acredito que pela combinação de ambas… pois um diagnóstico só será bem-sucedido se houver o perfeito equilíbrio entre investimento em ferramentas, instrumentos e equipamentos e capacitação profissional.
Foi exatamente com essa combinação que o técnico Marcio Rodrigo conseguiu elucidar o caso.
Após elaborar um plano de ação, contendo o passo a passo dos testes e procedimentos que seriam executados, o primeiro passo foi a reinstalação das velas novas a fim de verificar o funcionamento do motor do veículo com estas.
Com muita dificuldade colocou o veículo em funcionamento, entretanto, observou que o motor apresentava falha, proveniente do mau funcionamento do quarto cilindro.
O próximo passo foi a análise de funcionamento tanto da bobina de ignição quanto do injetor de combustível do respectivo cilindro que apresentava defeito (cilindro 4), a fim de encontrar alguma anomalia ou falha intermitente. O resultado de ambos os testes mostrou um funcionamento normal dos componentes.
Nesse momento, em que muitos reparadores poderiam entregar os pontos e desistir do veículo, me lembrei de uma citação do poeta e escritor estadunidense nascido na Alemanha Charles Bukowski: “As pessoas que resolviam as coisas, em geral, tinham muita persistência e um pouco de sorte. Se a gente persistisse bastante, a sorte normalmente chegava. Mas a maioria das pessoas não podia esperar a sorte; por isso, desistia”.
Neste contexto, Márcio Rodrigo era um técnico que não desistia assim tão fácil de uma boa “briga” com os veículos que o desafiavam. Assim, o próximo teste que realizou foi uma resposta à altura do desafio que estava a sua frente. Utilizando-se de um osciloscópio Picoscope de 4 canais realizou o teste de compressão relativa.
Após a realização do teste foi constatado que o cilindro número 4 estava com 80% de eficiência, muito baixa comparada com os demais cilindros.
Essencialmente, essa informação foi um verdadeiro divisor de águas, pois, a partir dela o técnico focou na análise do que estava causando esta perda de compressão.
Desta forma, solicitou a remoção das velas novas que estavam no veículo e após uma verificação minuciosa das mesmas, constatou que uma delas, que estava instalada no quarto cilindro, estava quebrada, provavelmente causada no momento da remoção das mesma quando foi colocada as vela antiga, isto aconteceu possivelmente devido a não utilização da ferramenta especial que deve ser utilizada para sua remoção.
Neste ponto de seu raciocínio, Márcio imaginou que os pedaços da louça da vela haviam caído dentro do cilindro na hora de sua remoção e que poderiam ter entrado no meio de alguma válvula e causado seu empeno.
Assim, para confirmar suas suspeitas ou descartar essa possibilidade, o técnico realizou um teste utilizando um transdutor piezoelétrico, instalando-o no coletor de admissão e analisando seu sinal no momento da partida do motor, este teste também é conhecido como TVA na partida. Observe o resultado da captura realizada pelo osciloscópio.
Ao observar o sinal exibido em vermelho o técnico pôde concluir que não havia nenhuma anomalia nos componentes mecânicos do motor do veículo, descartando, definitivamente, esta possibilidade.
Para chegar à resolução deste caso, Márcio sabia que precisava ir mais a fundo, dessa forma, perguntou ao proprietário da oficina qual a origem das velas novas que foram adquiridas. O proprietário respondeu que tinha sido fornecida por um importador. O técnico então pediu para ver a caixa em que vieram as velas, pois começou a ter dúvidas em relação a sua procedência.
Mesmo diante das caixas que continham o logo da BMW, Márcio solicitou ao proprietário que comprasse novas velas diretamente na concessionária BMW, que assim o fez.
Após 2 dias, o proprietário do veículo trouxe as velas originais adquiridas da concessionária. Ao comparar as velas, Márcio teve uma grata surpresa: havia duas diferenças gritantes: a primeira era em relação ao cromo das velas da concessionária (vela lado esquerdo) com as velas do importador (vela lado direito), e a segunda era referente à gravação a laser das velas da concessionária e a gravação opaca das velas do importador. Essas duas constatações já eram um claro indicador de que o caso estava quase sendo elucidado.
Para concluir o diagnóstico e finalizar o caso, o técnico mediu a resistência elétrica das velas originais que tinham um valor de aproximadamente 3.9 Kohms e ao medir a resistência das velas do importador a diferença foi gritante, pois elas apresentavam uma resistência elétrica em torno de 14Kohms.
Com uma confiança inabalável, o técnico Márcio Rodrigo partiu para a instalação das velas originais provenientes da concessionária no motor do veículo. Já na primeira partida o motor do veículo funcionou sem apresentar nenhuma falha.
Para confirmar a qualidade do diagnóstico o técnico realizou novamente o teste de compressão relativa, e para sua alegria o cilindro número 4 ficou com 99% de eficiência.
Mesmo diante do problema solucionado, o técnico ficou intrigado sobre o que havia originado a perda de compressão do quarto cilindro.
A fim de identificar o possível causador, analisou com bastante critério as velas do importador e viu que a arruela de vedação e a face de encosto do cabeçote estavam com a coloração preta.
Concluiu que além de ter resistência muito alta a vela do importador, mesmo sendo apertada com o torque correto de 30Nm, apresentava deficiência de vedação em sua arruela e por isso a compressão estava vazando através dela.
Enfim, caros reparadores, este caso além de apresentar todas as técnicas, procedimentos e metodologias envolvidas neste diagnóstico, nos mostrou também todos os transtornos e perigos ao se aplicar peças de procedência duvidosa, mesmo estas apresentando todas as características físicas da peça original fornecida pelo fabricante.